Um estudo em nível de Iniciação Científica se dedicou a mapear o acesso à educação em Porto Seguro. Apoiada pelo edital do Programa de Iniciação à Pesquisa, Criação e Inovação (PIPCI 2019), a pesquisa O direito social à educação em Porto Seguro/BA: situação, contexto e análise a partir dos indicadores de políticas públicas foi realizada pelo bolsista Gustavo Marques Cardeal Leite de Souza, que cursa o Bacharelado.
GEPEDESE (Grupo de Estudos e Pesquisas em Desigualdades e Efetividades)/UFSB/CNPq. O período da pesquisa compreendeu os meses de agosto de 2019 a julho de 2020 sob orientação da coordenadora do grupo de pesquisa, a professora Carolina Bessa Ferreira de Oliveira. Os dados constam de relatório de conclusão do plano de trabalho e apontam para pontos positivos e aspectos a melhorar na área educacional.
Para se ter uma ideia da importância desse tema, basta considerar quantas pessoas estão em idade escolar na cidade. De acordo com indicadores disponíveis, o município de Porto Seguro tem uma população de 148.686 habitantes, conforme dados do IBGE referentes a 2019. Conforme o Censo Escolar 2019, contando todas as modalidades de ensino, existem 36.259 alunos da rede pública matriculados na Educação Básica no município de Porto Seguro, sendo 22.337 matrículas em localização urbana e 13.922 matrículas na zona rural do município.
A professora Carolina destaca que o tema do estudo é de alta relevância pelo fato de que acesso à educação é, por consequência, acesso à cidadania. “A realização do direito social à educação – eficientemente por meio de políticas públicas universais – é central no estudo e no enfrentamento às desigualdades socioeconômicas e para o exercício da cidadania, potencializando o acesso a outros direitos”, indica.
Para Gustavo, que cursou o ensino público básico em Porto Seguro, do município e integra o GEPEDESE há dois anos, o trabalho ajudou a compreender o modo operacional do direito social à educação no Brasil e reforçou a evidências de que boas políticas públicas são a melhor forma de garantir a realização dos direitos sociais. “Foi muito importante poder destacar relevância da educação como um dos mecanismos de transformação social frente às desigualdades socioeconômicas”, afirma.
Políticas públicas na prática
Conforme a equipe, a pesquisa integra estudos interdisciplinares entre áreas como o Direito Público, a Educação e a Ciência Política, tendo como pano de fundo uma leitura social sobre direitos fundamentais, com ênfase no direito social à educação, bem como uma análise de políticas públicas e da legislação educacional vigente após a Constituição Federal de 1988, correlacionando o arcabouço histórico atrelado às políticas educacionais implantadas no país e na localidade.
O objetivo geral era investigar a situação atual do acesso à educação escolar em Porto Seguro. Para isso, a equipe levantou e sistematizou dados de indicadores sociais sobre o acesso à educação básica, com atenção para as políticas públicas implementadas nos últimos dez anos com recursos das esferas municipal, estadual e federal do Poder Executivo.
Isso envolveu a análise de dados, relatórios, pesquisas e informações de instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), além das informações disponíveis ativamente pelas secretarias de Educação.
Outras etapas importantes incluíram abordar conceitos, avaliações e metodologias relacionadas à implementação de políticas públicas, com ênfase nas políticas educacionais; contextualizar a pesquisa no âmbito do que está previsto nos planos nacional, estadual e municipal de Educação vigentes e em referenciais teóricos que discutam a centralidade das políticas públicas como modo eficiente de materialização dos direitos sociais.
Gustavo, sob orientação da professora Carolina, trabalhou com indicadores sociais que permitiram identificar dados estatísticos brasileiros fornecidos pelo INEP, como taxa de aprovação e reprovação (2016), taxa de abandono (2016), nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (2017), distorção idade-série por escola (2018), média de alunos por turma (2019) e o indicador central do Censo da Educação Básica (2019). O esforço incluiu também a análise de relatórios e dados divulgados por fundações de pesquisa, como o IPEA e o IBGE, e de monitoramento de organizações sociais sobre as metas e as estratégias previstas nos Planos de Educação. Essas informações ajudaram a analisar o cenário de acesso ao direito social à educação no país, no Estado da Bahia e no município de Porto Seguro.
Resultados
A docente e pesquisadora considera que o quadro percebido ainda está longe do ideal em termos de acesso universal à política e educação, apesar de se perceber uma evolução do acesso nos últimos dez anos. Ela afirma que isso evidencia “o quanto as políticas públicas são a melhor ferramenta para satisfação dos direitos sociais, tendo em vista o investimento do município na educação pública em relação à outros municípios da região”, mencionando os dados constantes do Relatório do Estágio Supervisionado l da UFSB (2019 – Licenciatura em Ciências Humanas e Sociais), um dos materiais analisados nessa pesquisa.
Outro aspecto dos resultados é a própria evolução do bolsista em relação à pesquisa acadêmica, levantamento e análise de indicadores educacionais e sociais. Gustavo apresentou o estudo em eventos acadêmicos, como o Congresso de Iniciação Científica da própria UFSB e em uma mesa-redonda da SNCT 2019. Outra oportunidade de exposição dos resultados ocorreu durante o Seminário em Rede da universidade, entre os dias 10 e 14 de agosto de 2020, no qual Gustavo apresentou um vídeo-pôster publicado no Youtube.
O trabalho apontou para as lacunas e potencialidades da educação básica no município de Porto Seguro/BA, mas algumas problemáticas se destacam. A primeira refere-se às disparidades no rendimento das/os alunas/os, à infraestrutura, à oferta de modalidades de ensino previstas na legislação educacional e à comparação entre área rural e urbana. As três escolas com maiores taxas de distorção Idade-Série (INEP, 2018) estão na zona rural da cidade, além dos dados que revelam a precariedade das escolas da área rural e escolas indígenas, carentes de recursos básicos como água potável e saneamento básico.
O segundo ponto a salientar diz respeito à falta de classes exclusivas de Educação Especial no município, o que os números apontam que tem ligação direta com o índice de evasão de alunos público-alvo da Educação Especial, principalmente na faixa etária recomendada pelo MEC para o Ensino Médio. Tratam-se, assim, de questões consideradas relevantes na pesquisa e que podem ser consideradas insumos básicos para uma educação básica de qualidade e universal, para todos, mas que leve em conta as diferenças e necessidades específicas de cada público e localidade.
Os próximos passos
O relatório final da pesquisa foi submetido em julho de 2020 ao departamento responsável da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, por meio do SIGAA. Gustavo e a professora Carolina Bessa estão em processo de elaboração de um artigo que sintetiza os resultados investigativos da IC, e Gustavo finaliza sua monografia para conclusão do BI Humanidades (2020.1), que trata do mesmo tema.
Para Gustavo, “o aspecto mais importante deste trabalho foi a busca de indicadores e informações, por parte do discente bolsista com orientação da docente, que permitam análises e sirvam de subsídio analítico para novas pesquisas e reflexões interdisciplinares sobre a realização do direito social à educação em nossa localidade, não apenas pesquisadores integrantes do GEPEDESE, mas para toda comunidade acadêmica e sociedade em geral”. Essa investigação ajuda a indicar os pontos que precisam de soluções no campo educacional de Porto Seguro, o que por seu turno implica em aprimorar o controle social, em que a comunidade acompanha o serviço público, e em desenvolver outros projetos de pesquisa. Dentre os possíveis temas relacionados ao acesso à educação, a professora Carolina Bessa identifica o contexto do Ensino Superior na cidade como área fértil para outros estudos do GEPEDESE.
Desafios do acesso à educação em detalhes
Os resultados indicam as disparidades no acesso à educação em Porto Seguro e apontam para análises que incluam marcadores sociais como raça, etnia, gênero, acessibilidade e faixa etária. “Em nossa pesquisa, reafirmando o que menciona o próprio Plano Orientador da UFSB (2014, p.32): ‘A Região Sul da Bahia apresenta indicadores educacionais bastante precários”, ficou evidente que o cenário atual carece de informações e políticas que permitam elucidar uma educação para todas e todos, ao mesmo tempo que identificamos que há uma centralidade das políticas públicas como forma de investimento”, avalia a professora Carolina Bessa Ferreira de Oliveira.
De acordo com a docente, o Censo Escolar (2019) permite notar que a Educação Infantil em Porto Seguro tem uma média razoável de alunos por turma nas creches e pré-escolas, o que pode facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Por outro lado, o desequilíbrio entre os níveis de ensino na Educação Infantil se dá na oferta de matrículas em tempo integral, tendo as creches com maior número e as pré-escolas ofertando um número de matrículas abaixo das expectativas em tempo integral. Quanto aos docentes, as creches da rede pública possuem mais docentes em área urbana em relação à zona rural e as Pré-Escolas possuem mais docentes na área rural em relação à urbana.
Sobre o Ensino Fundamental, a professora aponta que há o maior número de matrículas no município e mais estabelecimentos rurais do que urbanos. Uma vez que o Ensino Fundamental e da Educação Infantil são de competência municipal, o número de matrículas em tempo integral é muito abaixo do ideal nas escolas municipais, e as matrículas nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental reforçam a afirmativa. Por outro lado, em relação às faixas etárias, a maioria das matrículas atendem a meta estipulada pelo Ministério da Educação.
Já o Ensino Médio tem indicadores de aproveitamento no último decênio piores que os do Ensino Fundamental no município, com menor taxa de aprovação e maior taxa de reprovação e uma maior taxa de abandono (INEP, 2016) em relação ao nível anterior.
Em relação à oferta de matrículas em tempo integral, o Censo Escolar (2019) evidencia um número abaixo do esperado nos planos e apenas na rede pública estadual. Uma boa parcela das matrículas do Ensino Médio não atende as recomendações do Ministério da Educação quanto à faixa etária de 15 a 17 anos. Outro ponto negativo, conforme os pesquisadores, está no baixo número de docentes do Ensino Médio de áreas rurais na comparação com áreas urbanas do município. Também há poucas escolas que ofertam o Ensino Médio em áreas rurais, o que limita o acesso a esse nível de educação pela distância e dificuldades de deslocamento.
Outra dificuldade para a população rural em Porto Seguro é o acesso à Educação Profissional, uma vez que a oferta dessa modalidade está concentrada na área urbana, conforme o Censo Escolar (2019). Nesse contexto, analisa a professora Carolina Bessa, o Instituto Federal da Bahia se destaca ao oferecer o Ensino Médio integrado à Educação Profissional, gerando conexões entre o mercado de trabalho e a educação básica.
Um fato destacado na pesquisa é a “juvenilização” da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A faixa etária predominante de matrículas é de 15 a 17 anos, justamente a faixa etária recomendada pelo Ministério da Educação para o Ensino Médio em oferta regular, no percurso “normal” de educação. “É possível analisar que, de um lado, pode ser uma opção por parte dos estudantes, em razão do turno ou pela concomitância com o trabalho, mas de outro pode se relacionar a demandas e encaminhamentos pela própria rede de ensino”, pondera a professora Carolina. O Censo Escolar (2019) ainda aponta que a maioria dos estabelecimentos que ofertam a EJA estão na área rural do município.
A modalidade Educação Especial em Porto Seguro, ainda conforme o Censo Escolar (2019), não conta com classe exclusiva para alunos com algum tipo de deficiência, pois todas as matrículas da Educação Especial no município são em classes comuns. Isso pode representar diretrizes de inclusão desse público à comunidade escolar e a presença de professores especialistas nestas classes. Outro indicador que chama atenção em relação a Educação Especial no Censo é a faixa etária predominante nas matrículas: até 14 anos, e depois uma queda brusca na faixa etária de 15 a 17 anos, números que sinalizam evasão de alunos dessa modalidade no município na transição do Ensino Fundamental para o Médio.
O Relatório do Estágio I da UFSB (2019), orientado pela docente Eliana Povoas Brito, também foi usado como referência bibliográfica da pesquisa. O relatório apresenta dados do CEM (Centro de Estudos da Metrópole), que informa que o município de Porto Seguro gasta mais verba em educação do que 84,4% das outras cidades, equivalente a 41,6% da verba total do município durante o ano da consulta, chegando a um gasto per capita de R$ 891,21. Apesar do investimento financeiro do município, a pesquisa dos futuros docentes do Estágio l da UFSB (2019) revela que “as escolas da zona urbana apresentam uma melhor infraestrutura em relação a zona rural e colégios indígenas, nos quais chega a faltar recursos básicos como água potável, coleta de lixo e saneamento básico. Observa-se também a necessidade de investimento para implementação de salas de aula, laboratórios e biblioteca, itens primordiais para o ensino de qualidade”.
Fonte: Da Redação Namidia News com informações de UFSB
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