Sasha Grey, ex-atriz pornô e escritora, fala em Entrevista Exclusiva sobre sexo, literatura e Tabus.
Sasha é uma mulher com “M” maiúsculo, rompeu inúmeras barreiras e sobreviveu (quase) ilesa para continuar a ser uma mulher independente, autêntica, transgressora e – surpreendendo muitos – inteligentíssima. Consciente dos estigmas que a rondam, por ter sido (e ainda ser) uma grande estrela adulta, brinca “se você é inteligente, por que faz pornô?”, citando vários comentários que já chegaram aos seus ouvidos.
Bem verdade é que quando chegamos ao quarto, a escritora parecia cansada pela maratona que enfretava (chegou no Brasil dia 19, passou o dia 20 e 21 em entrevistas), mas ao sentarmos na mesa e iniciarmos as perguntas, Sasha estava lá de corpo e alma, respondendo, rindo e fazendo brincadeiras.
Acredito que isso aconteceu por tentarmos fugir das perguntas mais óbvias, nos focarmos na “Sasha escritora” e não na “Sasha ex-atriz pornô”. Todavia, desinibida e consciente dos seus feitos, ela navega por várias e todas as áreas questionadas. Interessante também é saber que ela não possui nenhuma vergonha por ter trabalhado no ramo adulto e trata do assunto com a maior tranquilidade possível.
Sasha é uma figura única, não só linda fisicamente, mas de uma personalidade poucas vezes encontrada. Prova – e continuará provando – que com 25 anos já foi e continuará indo muito além do que não só a maioria das pessoas, mas a maioria dos artistas. Busca derrubar preconceitos e estigmas, nega rótulos a si mesma e se porta de maneira inteligente em todos os lugares que frequenta.
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E vamos para a entrevista na ÍNTEGRA:
Como e quando você surgiu com a ideia de escrever um romance?
Eu sempre escrevi, comecei a escrever desde quando eu tinha dez ou onze anos. E cinco anos atrás um dos meus agentes me pediu para escrever um livro erótico e eu estava tipo “ah, isso é muito fácil, bla, bla, bla…” [risos], e então cada vez mais eu tinha fãs mulheres que me pediam para escrever livros eróticos. Elas gostavam de mim, elas gostavam de sexo sem-vergonha, mas não necessariamente gostavam de assistir pornô. Então, alguns anos se passam e 50 Tons de Cinza é lançado, e há um grande “boom” no gênero erótico, e todo mundo me associava com isso, principalmente por causa do nome.
Então me perguntei “o que eu posso fazer?” e “o que posso fazer de forma diferente?”, e eu adoro um desafio e eu sentia que muito da literatura erótica contemporânea não está inserida em nenhum tipo de realidade. As mulheres são sempre as mesmas, elas estão sempre procurando pelo “Sr. Certo”, ou então há apenas sexo, você tem uma vida normal e BAM!, você encontra o “Sr. Certo”. E eu não penso que essa é a fantasia da maioria das mulheres da minha geração, e eu quis criar algo que fosse mais fundamentado na realidade.
Você mencionou a popularidade do livro 50 Tons de Cinza, de E.L. James. O que esse livro tem que chama tanto a atenção?
Ele segue um roteiro muito tradicional, então é muito fácil entender, é muito fácil de gostar dele. E eu acho que o principal é que o que E.L. James escreveu é baseado em fan-fiction da saga Crepúsculo. Então ela tinha toda uma base de fãs já construída na internet antes de sequer publicá-lo como um livro, ela tinha toda uma demografia de fãs de Crepúsculo… mães de fãs de Crepúsculo que já haviam gostado do que ela escreveu ela tinha esses fãs para disseminar seu trabalho. Foi construído. É realmente muito esperto.
Seu segundo nome, Grey, teve alguma inspiração no romance de Oscar Wilde O Retrato de Dorian Gray. De que forma o livro inspirou você?
E na verdade ele também vem da escala de sexualidade do Dr. Kinsey, à qual muitas pessoas se referem como a escala cinza. Esse livro, em particular… É uma ideia interessante quando você pensa sobre aquilo que as estrelas pornô representam, e como nós vemos as pessoas, como nós vemos celebridades, como vemos objetos de fantasia e como tratamos essas pessoas conforme elas envelhecem. E como, num “agora” que se desenvolve, alguém como eu que quer ser coisas diferentes, e isso não se aplica apenas a estrelas pornô. Também se aplica a qualquer um que já fez algum trabalho de criação, e é assim que eles alcançam o sucesso. As pessoas sempre querem crescer e mudar e tentar novas coisas, mas o público nem sempre está querendo isso, e às vezes isso afeta você e seus sentimentos em relação a si mesmo. Mas acima de tudo eu penso que a breviedade do que você faz é mais importante do que a vaidade que vem junto.
Então você tem um pouco de Dorian Gray?
Não, acho que não [risos]!
Por quê você escolheu Juliette Society como o nome de seu romance?
Com certeza eu fui fortemente influenciada por 120 Dias em Sodoma, do Marquês de Sade, assim como “The Sadian Woman”, de Angela Carter. E Juliette era a heroína, ela era a irmã menos conhecida e eu achei que fazia um diálogo perfeito com Catherine nessa jornada que ela toma.
A experiência de escrever livros eróticos apresenta semelhanças com trabalhar no pornô?
Ah, é claro! E eu acho que é fácil dizer, é óbvio dizer, minha experiência no pornô trouxe autenticidade para este romance, e talvez as pessoas, quando pegarem um livro como esse, vão pegá-lo porque eu estou associada com ele e eu o escrevi, então lê-lo de uma forma diferente e curti-lo de uma forma diferente de como fariam normalmente. Não apenas no pornô, mas durante minhas experiências na vida eu fui privilegiada o bastante para viajar o mundo nos últimos 7 anos e há tanta gente diferente com os mais excêntricos estilos de vida, e cada pessoa que você conhece tem uma história para contar. Você se lembra dessas histórias e as usa para criar situações e personagens.
Há um estigma no fato de que uma atriz pornô – ou qualquer mulher com a mente aberta em termos de sexo – também possa gostar de ler e escrever livros?
Há diferentes tipos de preconceito, e sim, há gente que adora pornô mas não quer que suas estrelas pornôs falem. Querem que elas permaneçam uma fantasia, e é isso. Essas pessoas não estão interessadas em nada além da fantasia divertida. E quando você começa a quebrar a imagem de uma fantasia você não tem mais nada, e é assim que algumas pessoas pensam. E há pessoas que têm uma opinião mais “se você é tão esperta, por quê você fez pornô?”. Vem em todos os graus e as pessoas têm opiniões diferentes, mas então há pessoas como meus fãs que amaram Juliette Society e ficam atentos a cada projeto que faço.
Quais as principais semelhanças que você vê entre você e Catherine?
Bom, eu quis fazê-la uma estudante de cinema porquê essa é uma das minhas primeiras paixões e é a principal coisa. Eu a baseei em mim mesma quando tinha 17, 18 anos, e ambas tínhamos esses desejos e fantasias que não sabíamos explicar, e eu tinha o pornô como um espaço para explorar essas coisas e satisfazer meus desejos, enquanto Catherine não as tem. E ela segue uma jornada diferente num caminho completamente diferente. Nós definitivamente temos ideias diferentes sobre o que é o amor, com certeza… É bem diferente nesse aspecto.
Em sua opinião, como a arte – especificamente a ficção – pode ajudar as pessoas a lidarem com seus tabus sexuais?
Acho que isso tem uma influência imensa nas pessoas. Era algo que eu tentava fazer no pornô, me posicionar e encorajar as pessoas a não sentirem vergonha de suas sexualidades e seus interesses, como era meu caso na minha juventude. E com Juliette Society eu meio que ajudo as pessoas a tirarem algo do caminho, começarem a questionar a si mesmas e a questionar seus relacionamentos com propósitos positivos.
Em que aspecto você poderia ser vista como uma feminista moderna?
Muita gente me identifica como uma feminista, e eu definitivamente acredito em ser uma mulher com força própria e em encorajar as mulheres a terem força própria. Eu não nececessariamente gosto de me rotular uma feminista. O termo se tornou tão desgastado, você vê feministas de todos os tipos… Algumas são muito parecidas comigo, e há pessoas que são o completo oposto, que é um mundo muito, muito conservador. Então é um termo muito enganador. Eu não necessariamente amo o termo “feminismo”, mas, sim, eu acredito em ser uma mulher forte e poderosa, lutando por meus próprios direitos e minhas crenças.
Você tem familiaridade com a cultura brasileira?
Fora das coisas habituais, não, não tanto. Eu gosto de “Cidade de Deus”, obviamente, um grande filme que todos conhecem. Estou empolgada para provar a comida e ouvir alguma música boa, talvez Samba. Não sei, há belas praias. O Brasil é uma cultura totalmente diferente no mundo para mim, então é empolgante me deparar com algo que é novo.
Que tipo de recepção você espera ter do público brasileiro?
Eles ficaram empolgados tão rápido [risos]! Estou feliz, é uma boa sensação.
Se você pudesse indicar alguns livros para as leitoras que querem conhecer um pouco mais sobre sexualidade, quais seriam eles?
Wetlands é um grande livro, não é tão erótico. É realmente perverso, não necessariamente uma coisa para a qual você iria se masturbar, mas é um grande livro. Também Delta of Venus. E The Sadian Woman, de Angela Carter.
Seu livro está cheio de referências do cinema. Você poderia dizer quais são suas principais referências para a história de Catherine e por quê?
Belle de Jour é a mais importante de todas, porque é o que a impele nesse mundo. Mas todo o mundo dela é meio que como um filme, ela vive constantemente nesse estado fantasioso de sonho. Ela está ciente das decisões que está tomando, ela simplesmente não entra nas coisas cegamente, apesar de algumas vezes desejar que pudesse fazê-lo, desejar simplesmente seguir cegamente. Obviamente De Olhos Bem Fechados é uma grande referência, mas não é uma força motriz por trás de suas decisões.
E como você se sentiu da primeira vez que assistiu Belle de Jour?
Eu fiquei maravilhada [risos]. Foi o primeiro filme de Bunuel que assisti e eu não podia acreditar que parecia tão contemporâneo, mas, sabe, foi algo feito tanto tempo atrás… E ainda muito relevante.
Quando você decidiu escrever, você estudou estruturas, técnicas?
Sim, porque tenho trabalhado com roteiros há algum tempo, e é algo completamente diferente de escrever um romance. Você não pode deixar espaços em branco ou notas de rodapé sobre o trabalho de câmera ou música, isso não é possível. Então, sim, eu li alguns livros diferentes e artigos de diferentes escritores para me ajudar a encontrar o enredo e o gancho que fez tudo se juntar e fazer sentido.
Se você tivesse um conselho para suas jovens leitoras, qual seria?
Viciar as jovens leitoras [risos]… Não pare! Não pare de ler.
Por: Literatortura
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