Por mais que milhares de pais e mães ao redor do mundo tentem dizer para os seus filhos que não, o mercado de jogos eletrônicos é coisa séria e não para de crescer. De acordo com dados da consultoria holandesa Newzoo, são mais de 2 bilhões de jogadores gerando US$ 159 bilhões em receitas no ano 2020. A expectativa é que esse número continue crescendo e alcance os US$ 200 bilhões até 2023.
Mas como esse dinheiro gira? Começa no desenvolvimento e venda dos próprios jogos; passa pela remuneração de desenvolvedores, designers, jogadores profissionais e outros especialistas inseridos no meio; e desemboca em plataformas (dentro dos jogos ou não) de compra e venda de itens cosméticos, que não alteram o funcionamento do jogo mas promovem mudanças estéticas em personagens e itens.
É aqui que entra a tal arma de Counter-Strike vendida por US$ 130 mil (quase R$ 700 mil) em julho para um comprador desconhecido. A carabina M4A4 em si não custa nada, está disponível para qualquer um que compre o CS e comece a jogar.
Entretanto, este valor foi pago, na verdade, por conta da “skin” do armamento. Comparando com o mercado da moda, é como se cada arma tivesse várias roupas diferentes e cada uma delas tivesse um valor diferente.
Economia
Parêntese: quem joga a última versão do Counter Strike, o CS:GO, ganha baús ao concluir partidas e objetivos. Dentro deles, há uma série de skins de armas, luvas, facas com raridades e valores diferentes. Dessa forma, quanto mais raro o item, menor a possibilidade de consegui-lo. E, para abrir essas caixas, o usuário precisa pagar pela chave, que custa a partir de R$ 12,99.
Com esse mercado gigantesco em mãos, a Valve, desenvolvedora do CS e de outros grandes títulos como Dota 2, Team Fortress 2 e Left 4 Dead, chamou ninguém menos que Yanis Varoufakis para trabalhar o aspecto econômico dos seus jogos. Isso em 2012, antes do economista se tornar ministro da Economia da Grécia em 2015, durante o governo de Aléxis Tsípras.
Na altura, Varoufakis escreveu que realizar aquela consultoria era “um sonho para qualquer economista”.
“Um ambiente onde todas as transações deixam um rastro digital, em que não precisamos de estatísticas porque temos todos os dados”, disse. A partir disso, muitas experimentações foram feitas e, dessa forma, criou-se um mercado estruturado de compra e venda destes itens. Fecha parêntese.
A arma
A M4A4 Howl, skin mais cara de que se tem notícia, tem uma história inusitada.
“A Valve adiciona novos itens cosméticos criados por artistas gráficos de tempos em tempos”, diz Bernardo “Bida” Moura narrador e comentarista de e-sports. “Descobriram que a arte estampada nessa arma era plágio e ela deixou de ser produzida, mas as que já existiam continuaram existindo e se tornaram ainda mais exclusivas.”
E, neste caso, existe outro fator que contribuiu para o encarecimento do produto. Sempre que campeonatos mundiais da modalidade ocorrem, criam-se adesivos com os nomes dos times e jogadores que competirão no evento. Estes itens podem ser colados nas armas e seguem a mesma lógica: quanto mais raros e bonitos, mais valorizados ficam no mercado secundário.
“Os quatro adesivos colados naquele produto específico são da iBUYPOWER, time que foi banido por manipulação de resultados”, explica Bida. “Como essa equipe nunca mais vai competir num mundial e, além de tudo, os colantes são muito bonitos, eles ficaram extremamente valorizados.”
Para se ter uma ideia, um adesivo de outra equipe que já não existe mais, a francesa Titan, pode custar R$ 100 mil.
Para quem acha que a coisa é simples, os itens carregam ainda uma numeração que mostra o seu desgaste. Ou seja, quanto mais utilizam aquela peça durante os jogos, mais desgastada ela fica e menos vale. Desta maneira, o mercado (e a compra de skins) não para nunca de girar.
Mercado de skins
Para que todos estes produtos fossem negociados, um mercado secundário foi se desenvolvendo para além da estrutura oferecida pela Valve. Isso porque, dentro do jogo, não é possível receber dinheiro pela venda de uma skin, somente realizar trocas ou adicionar créditos na conta do vendedor para trocar por outros produtos.
Surgiram, então, lojas e marketplaces que passaram a dar valor real para as mais de 520 milhões de skins disponíveis no jogo.
O jogador e criador de conteúdo Gabriel “Lugin” Brianez tem cerca de R$ 800 mil em seu inventário, sendo R$ 120 mil em apenas um item: a AK-47 Redline com adesivos da iBUYPOWER. Ele conta que vê as skins “como outro ativo qualquer, sem o downside de mercados como o de criptomoedas”.
“Pesquisando este setor, vi que alguns destes produtos nunca pararam de valorizar e poderiam ser tratados como uma forma de investimento”, diz. “Quem investe nas skins também analisa princípios, Fibonacci, evita comprar armas que acabaram de se valorizar.”
Lugin realiza suas transações através de marketplaces ou diretamente com seus clientes, utilizando Bitcoin.
Ele conta que o mercado ganhou um novo incentivo com a chegada do jogo à China.
“Eles até preferem comprar e vender skins do que jogar”, diz. “É um mercado gigante. E a coisa foi crescendo tanto que hoje é comum utilizar a moeda chinesa, o yuan, para precificar os produtos.”
No Brasil
Febre por aqui no início dos anos 2000, o Counter Strike segue relevante nacionalmente. Com diversas equipes competindo internacionalmente, uma delas bicampeã mundial, a modalidade gera muito engajamento de jogadores e torcedores nas redes sociais. E isso também se materializa na compra e revenda de skins.
Guilherme Silva, CEO da Bleik Store, afirma que as lojas são a melhor alternativa para “pessoas retirarem o dinheiro referente às skins de dentro da plataforma”.
Diz também que, apesar de não regulamentar as transações, a Valve “monitora constantemente o mercado e aplica políticas para o seu melhor controle.” Ele não revela quantas vendas a empresa faz por mês e nem o seu faturamento.
No mesmo ramo, Victor Matos, dono da Loja de Skins, afirma que a empresa não se mete com as lojas porque elas “movimentam o cenário”.
Ele estima que sua loja realize entre 50 e 100 por mês e, além disso, também defende a prática como uma possibilidade de investimentos. Cita, inclusive, as flutuações de câmbio como grande influência no valor de mercado dos produtos.
Counter-Strike
Lançado em 2012, o Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) é a versão mais recente de uma das franquias mais relevantes da história dos jogos eletrônicos. No jogo, dois times de cinco jogadores se dividem entre terroristas e contra terroristas. Os primeiros tentam plantar uma bomba na base dos adversários, enquanto os oponentes devem defendê-la.
O CS, como é chamado, se tornou uma grande febre no início dos anos 2000 e, da mesma forma, permanece extremamente popular. Para se ter uma ideia do tamanho da coisa, em abril de 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, os servidores do título tiveram mais de 1,2 milhão de pessoas jogando ao mesmo tempo.
Fonte: Da Redação Namidia News com informações de CNN
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