Por Olmiro Pautz
Li há pouco, entre estarrecido e perplexo, a petição inicial formulada na Ação Civil Pública protocolada recentemente pelo Município de Porto Seguro contra o edil Kempes Neville, popularmente conhecido como Bolinha, sob a teratológica argumentação jurídica, em síntese, de que este estaria abusando do seu papel como vereador, ao fiscalizar e denunciar, constantemente, o verdadeiro deus nos acuda que está virando a nossa cidade, sobretudo em relação às péssimas condições da saúde e educação, para se dizer o mínimo, desrespeitando, assim a “harmonia entre os dois poderes”.
De acordo com a denúncia, que foge aos mais elementares princípios da lógica processual, da democracia e da imunidade parlamentar garantida aos vereadores no uso de suas prerrogativas funcionais, Bolinha estaria usurpando sua função legislativa ao fazer vídeos e fotos, bem como a postar em suas redes sociais o triste retrato desta que tem sido lamentavelmente apontada por pelo menos 7 a cada 10 moradores locais como a pior administração de que sem notícias nos últimos anos, em que pese as elogiáveis e bonitas obras realizadas na Passarela do Álcool e nas duas rotatórias localizadas na Orla Norte.
Ainda segundo a denúncia, Bolinha estaria usando de ameaças e truculências para invadir escolas e postos de saúde, registrar as lambanças que saltam a olho nu e filmar servidores públicos sem a devida autorização. Ameaças e truculência, é, logo tu Bolinha?
Ou seja, uma verdadeira piada, caro leitor. Piada esta até mesmo para ser registrada nos anais do anedotário político e judicial local. Data vênia máxima, um simples e mediano acadêmico de Direito do segundo ou terceiro ano, ou faria uma peça melhor e devidamente fundamentada, ou não assinaria tamanho absurdo.
Que vergonha!
Sim, ingressar com uma Ação Civil Pública, com pedido liminar, requerendo medida cautelar, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 para que Bolinha se abstenha de continuar denunciando que as escolas estão um caos, que os postos de saúde funcionam a cada dia pior e que os valores das obras são muito superiores aos preços normais de mercado não pode ser levado a sério. Pelo amor. Estão brincando com o Judiciário e o MP, é?
Não por nada, a sempre corajosa e irretocável representante da 5ª Promotoria de Justiça de Porto Seguro, no caso a promotora Lair Azevedo, intimada a se manifestar sobre o pedido, opinou pelo não deferimento da liminar, já que, segundo ela, a atividade de fiscalização, associada à livre expressão do pensamento e à imunidade parlamentar, são garantias previstas pela Constituição Federal. Ponto final.
Pergunta-se: não seria muito mais fácil para o prefeito, ao invés de ser tão criticado e ridicularizado diariamente pela população nas redes sociais e outros meios de comunicação, às vezes até mesmo de forma relativamente injusta, demitir ao menos 80% da sua equipe de secretários e assessores nomeados, verdadeiros incompetentes e acomodados em sua grande maioria, e que, apesar do Município estar arrecadando em torno de 1 bilhão de reais por ano, não conseguem oferecer aos moradores o mínimo do mínimo necessário à uma vida ao menos um pouco melhor? Quem manda nomear pessoas sem a mínima capacidade técnica, baseado tão somente em favores políticos? Ora, cada um colhe o que planta.
Aí, quando encontram um vereador realmente questionador e incansável como Bolinha, ainda acham ruim?
Penso que a juíza da Vara da Fazenda Pública, que vai julgar o processo, deveria fazer, isso sim, caso venha a ser requerido pela defesa do edil, seria aplicar o instituto da reconvenção e condenar o Município a indenizar o vereador, tanto por danos materiais, como por danos morais, pois evidente a tentativa do ente público em cercear Bolinha e macular sua honra perante à opinião pública.
Ah, eu acrescentaria ainda na reconvenção o pedido da condenação do Município por danos morais coletivos ou difusos, posto que ao usar recursos financeiros e o aparato administrativo e jurídico para tentar calar um vereador, além de se prestar a um papel ridículo, a Prefeitura causa enorme prejuízo à população como um todo.
- Olmiro Pautz, advogado, pós graduado em administração pública com ênfase em gestão pública e diretor da Pautz Advogados Associados.
BEABÁ PARA ACADÊMICOS OU DESINFORMADOS
TERATOLOGIA JURÍDICA:
O termo “teratologia” provém do grego “teratos”, que significa “monstro” ou “anomalia”.
No contexto jurídico, quando se faz referência à “teratologia jurídica”, geralmente está se aludindo a pedidos ou decisões judiciais que são consideradas absurdas, monstruosas ou extremamente anômalas, isto é, pedidos ou decisões que desafiam a lógica jurídica ou que estão em desacordo com os princípios e normas do ordenamento jurídico.
DATA VÊNIA MÁXIMA
A expressão “data venia” é uma locução latina que significa “dada a licença” ou “com a devida vênia”. É utilizada para introduzir uma discordância respeitosa ou uma opinião contrária àquilo que foi dito ou escrito anteriormente.
Quando se adiciona o termo “máxima” à expressão “data venia”, a frase “data venia máxima” reforça a ideia de uma discordância respeitosa, enfatizando ainda mais o respeito pelo ponto de vista anteriormente apresentado.
Assim, “data venia máxima” pode ser traduzido como “com o máximo respeito” ou “dada a maior licença”, indicando que o interlocutor está prestes a expressar uma opinião contrária de forma cortês e respeitosa.
É uma expressão frequentemente utilizada em textos acadêmicos, jurídicos e formais para introduzir um ponto de vista discordante de maneira polida.
DANOS MORAIS COLETIVOS OU DIFUSOS
Os danos morais coletivos, também conhecidos como danos morais difusos ou coletivos, referem-se à violação de direitos de uma coletividade ou grupo de pessoas. Estes danos não afetam apenas um indivíduo, mas uma comunidade, classe ou grupo de pessoas que compartilham interesses, direitos ou bens protegidos.
No Brasil, os danos morais coletivos podem ser pleiteados em situações que envolvam a violação de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, conforme previsto no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).
PEDIDO DE RECONVENÇÃO
No sistema jurídico brasileiro, a reconvenção é uma modalidade de resposta do réu à ação principal, na qual o réu apresenta uma demanda própria em face do autor da ação. A reconvenção tem como objetivo obter a reparação de um direito próprio do réu, que está relacionado à causa principal.
Em relação à Ação Civil Pública (ACP), regulamentada pela Lei nº 7.347/85, a possibilidade de apresentação de reconvenção é um tema controverso. Alguns entendimentos doutrinários e jurisprudenciais entendem que a reconvenção não é cabível em Ações Civis Públicas, pois a ACP possui natureza jurídica de ação coletiva proposta para a defesa de direitos transindividuais.
Assim, a Ação Civil Pública é voltada para a proteção de interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos, não se prestando para a defesa de direitos individuais do réu contra o autor da ação.
No entanto, é importante destacar que há correntes doutrinárias e decisões judiciais que admitem a possibilidade de reconvenção em Ações Civis Públicas, desde que preenchidos determinados requisitos e observados os princípios e normas que regem a matéria.
Caso se entenda cabível a apresentação de reconvenção em uma Ação Civil Pública, é possível que seja feito um pedido de danos morais coletivos, desde que haja fundamentação adequada e demonstração de que houve a prática de ato ilícito que causou dano à coletividade.
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